Amar por muito tempo requer tanto que apodreci.
Já apodrecido o riso alça voo sozinho em busca de outras faces que o use de maneira genuína e inadvertida, o marasmo debruçado num livro em branco se justifica para o entusiasmo enfurecido diante de vidas sem vida, a aventura mingua no silêncio do quarto onde fazemos amor várias vezes ao dia para conformidade da nossa rotina, o ciúme flexível cresce e vira um monstro possessivo diminuindo os números de amigos, os afagos tropeçam no caminho e não sabem mais como despertar furacões adormecidos que me dominam, as lágrimas chegam cada vez mais fáceis e cada vez mais doloridas, a cumplicidade jaz frustrada em meio ao turbilhão de ameaças, a sensação de proteção deu lugar ao medo do que virá caso um dos dois decida terminar. Perturbada chego a uma conclusão que já não cabe para mim: deve-se amar uma vez na vida, amar ao nascer do sol e suspirar pela última vez quando ele se recolhe.Vivê-lo na delicadeza das suas primeiras horas de vida é o bastante para não repudiá-lo pelo resto da vida.