terça-feira, novembro 16, 2010


Clamor

6
Não suporto mais o amor e tudo o que gira em torno dele. 
Amar por muito tempo requer tanto que apodreci.

Já apodrecido o riso alça voo sozinho em busca de outras faces que o use de maneira genuína e inadvertida, o marasmo debruçado num livro em branco se justifica para o entusiasmo enfurecido diante de vidas sem vida, a aventura mingua no silêncio do quarto onde fazemos amor várias vezes ao dia para conformidade da nossa rotina, o ciúme flexível cresce e vira um monstro possessivo diminuindo os números de amigos, os afagos tropeçam no caminho e não sabem mais como despertar furacões adormecidos que me dominam, as lágrimas chegam cada vez mais fáceis e cada vez mais doloridas, a cumplicidade jaz frustrada em meio ao turbilhão de ameaças, a sensação de proteção deu lugar ao medo do que virá caso um dos dois decida terminar. Perturbada chego a uma conclusão que já não cabe para mim:  deve-se amar uma vez na vida, amar ao nascer do sol e suspirar pela última vez quando ele se recolhe.Vivê-lo na delicadeza das suas primeiras horas de vida é o bastante para  não repudiá-lo pelo resto da vida.

quarta-feira, novembro 03, 2010


Mulher ingloriosa

10
Por toda vida almejei ser a fatia grande de felicidade deliciada na boca do sedutor que estava ao lado da minha grande amiga Leonora. Cantador cantava  aos pássaros seu amor e sem abrir o lábio derramava a primavera de flor em flor, as mesmas atravessavam o vento e as paisagens na incubência de compartilhar com o horizonte as belezas do amor que colore o deserto de uma vida sem delírio. Seu sentir audacioso tratava-se de epifania generalizada, amor extraviado para uso contínuo capaz de ser dissonante nas mãos que o recebe.

Este criador por natureza vivia na vida de Leonora sob forma de garôa, numa placidez trêmula e sufocante. Amedrontada por sua incapacidade de negar e lutar contra esse amor que tirava as tripas e deformava sua existência. Comedora de moscas, acordava com pavor dos seus sonhos, desculpava-se por ver beleza no belo ou por sorrir do elogio de um sapo. O amor estava atravessado em sua garganta incomodando suas entranhas e apesar de aceitar seu fado implorava por uma salvadora que levasse quem a amava.

Escutei Leonora e repousei sobre sua vida, sendo eu qualquer coisa sem glórias arrisquei.
Ganhei um homem que amava outra e não pretendia continuar sendo o homem que todas querem ter e quando tem não querem ter. Ganhei um homem com menos amor pra dar, mas o que me daria era o suficiente pra viver por metade de uma vida. Ganhei um homem e uma inimiga.