quarta-feira, novembro 03, 2010


Mulher ingloriosa

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Por toda vida almejei ser a fatia grande de felicidade deliciada na boca do sedutor que estava ao lado da minha grande amiga Leonora. Cantador cantava  aos pássaros seu amor e sem abrir o lábio derramava a primavera de flor em flor, as mesmas atravessavam o vento e as paisagens na incubência de compartilhar com o horizonte as belezas do amor que colore o deserto de uma vida sem delírio. Seu sentir audacioso tratava-se de epifania generalizada, amor extraviado para uso contínuo capaz de ser dissonante nas mãos que o recebe.

Este criador por natureza vivia na vida de Leonora sob forma de garôa, numa placidez trêmula e sufocante. Amedrontada por sua incapacidade de negar e lutar contra esse amor que tirava as tripas e deformava sua existência. Comedora de moscas, acordava com pavor dos seus sonhos, desculpava-se por ver beleza no belo ou por sorrir do elogio de um sapo. O amor estava atravessado em sua garganta incomodando suas entranhas e apesar de aceitar seu fado implorava por uma salvadora que levasse quem a amava.

Escutei Leonora e repousei sobre sua vida, sendo eu qualquer coisa sem glórias arrisquei.
Ganhei um homem que amava outra e não pretendia continuar sendo o homem que todas querem ter e quando tem não querem ter. Ganhei um homem com menos amor pra dar, mas o que me daria era o suficiente pra viver por metade de uma vida. Ganhei um homem e uma inimiga.

10 convidados:

Felipe Braga disse...

Será que alguém tem o poder de libertar outra pessoa?

Seu texto me trouxe um pensamento: há poesia em tudo; em cada parte do mundo, nas cenas mais corriqueiras, nos movimentos cotidianos, há poesia.

Há poesia no seu texto, na sua prosa, nos olhos, nas mãos.

Tudo muito lindo! Exatamente como eu aprendi a admirar.

Beijos.

Sueli Maia (Mai) disse...

A 'colombina' pode ser apenas uma fantasia, mas por certo conheces bem os sentires femininos.
Um texto escorreito, mais real do que fictício. Sem dúvida uma bela trama.
Quanto ao teu comentário no 'inspirar-poesia', disseste bem, e é justamente isto que me encanta na interação com o leitor.

abraços

Unknown disse...

Eu amo demais cada palavra. E adorei a sutileza do título: "sobre amor, intrigas, paixão, beleza e dicas."

Linda.

[P] disse...

Taí... eu também quero ser, agora, "a fatia grande de felicidade deliciada na boca" de alguém. Um alguém específico, claro. Gostei daqui...

Cynthia Osório disse...

pior do que perder é achar que ganhou. Foi isso que me veio!

Crys disse...

Que delicado e intenso. Adorei flor.
Um amor não precisa ser o maior, de não caber e escorrer. O amor precisa se bastar.

Beijo :*

Marcos de Sousa disse...

Tema mais o ódio de uma mulher que armas nas mãos de um homem.


Belo texto.

Aline disse...

quando era criança sempre almejava finais felizes. Quando cresci vi que isso era impossivel e que a felicidade não depende de ninguem, a nao ser de nos mesmos.

Gostei do texto,
grande beijo

Carlos de Thalisson T. Vasconcelos disse...

O seu texto parece nascer de um sonho. Legal.

Bela Lima disse...

Que texto incrível!
"Ganhei um homem com menos amor pra dar, mas o que me daria era o suficiente pra viver por metade de uma vida. Ganhei um homem e uma inimiga."
Acho que sempre que ganhamos um homem, automaticamente ganhamos pelo menos uma inimizade.. Sempre tem aquela que queria, cobiçava,amava, e perdeu...

;*